Auxílio-Moradia majorado do militar casado (companheiro) com militar.

O presente artigo visa à abordagem de um tema de grande repercussão no âmbito das forças militares do Distrito Federal, sobretudo no âmbito da Polícia Militar. Tal abordagem ganha relevância em razão de dúvidas e questionamentos por parte dos militares, bem como em razão do entendimento, ao meu sentir, equivocado sobre o tema no seio da justiça do Distrito Federal. Dessarte, o escopo central do presente estudo é superar esses impasses que cingem o famigerado auxílio-moradia majorado do militar casado (ou companheiro) com outro militar. Concretizar-se-á tal objetivo com base em informações levantadas a partir de leis de regência da matéria e de processos judiciais processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Arrimado à abordagem a seguir delineada, foi possível concluir que o auxílio-moradia majorado ora em análise encontra assento na lei, de modo que decisão judicial ou administrativa que inadmita a sua concessão fere de morte os princípios da legalidade e da separação dos poderes, entre outros.

 


 

A Lei n.º 10.486, de 04 de julho de 2002, que dispõe sobre a remuneração dos militares do Distrito Federal, notadamente em seu artigo 2º, inciso I, alínea “f”, assegura aos militares, entre outros direitos, o direito ao auxílio-moradia. Assim reza a referida norma, verbis:

Art. 2º Além da remuneração estabelecida no art. 1º desta Lei, os militares do Distrito Federal têm os seguintes direitos pecuniários:

I – observadas as definições do art. 3º desta Lei:

  1. a) diária; b) transporte; c) ajuda de custo; d) auxílio-fardamento; e) auxílio-alimentação; f) auxílio-moradia; g) auxílio-natalidade; h) auxílio-invalidez; i) auxílio-funeral;

A norma acima transcrita é categórica ao assegurar aos militares o recebimento do benefício do auxílio-moradia, não admitindo interpretação restritiva, que, se levada a efeito, implicará em patente violação a determinação legal.

Quanto ao conceito de auxílio-moradia, cumpre destacar as palavras insertas no artigo 2º do Decreto n.º 35, de 18 de fevereiro de 2014, e do artigo 3º da Lei n.º 10.486, que aduzem ser o referido benefício um direito pecuniário mensal destinado a auxiliar nas despesas com habitação para o militar e seus dependentes.

No respeitante aos dependentes do policial militar do Distrito Federal, elenca o artigo 50, §2º, da Lei n.º 7289, de 18 de dezembro de 1894, que dispõe sobre o estatuto dos Policiais Militares do DF, os seguintes indivíduos, verbis:

  • 2º – São considerados dependentes do policial-militar:

I – a esposa;

II – o filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou interdito;

III – a filha solteira, desde que não perceba remuneração;

IV – o filho estudante, menor de (vinte e quatro) anos;

V – a mãe viúva, desde que não perceba remuneração;

VI – o enteado, o filho adotivo e o tutelado, nas mesmas condições dos itens II, III e IV;

VII – a viúva do policial-militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, IIl, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva; e

VIII – a ex-esposa ou ex-esposo com direito a pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio.

Cumpre destacar que a partir de uma leitura conjugada do inciso I do artigo acima transcrito com os valores constitucionais, sobretudo o da isonomia entre homem e mulher, insculpido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, é possível concluir que o marido (ou companheiro) também pode figurar como dependente.

Verifica-se, portanto, que o arcabouço legal responsável por reger os Militares do Distrito Federal, além de garantir de forma clara e objetiva o benefício do auxílio-moradia, não cria nenhum tipo de condição para a efetivação desse direito.

Como dito linhas atrás, decisão judicial\administrativa que criar qualquer condição, não legalmente prevista, à concretização do direito ao auxílio-moradia implicará em grave violação à respectiva lei de regência.

Dessa forma, o direito ao auxílio-moradia é, por lei, garantido ao Militar cujo(a) cônjuge (ou companheiro) também seja Militar, sem que isso caracterize bis in idem ou enriquecimento sem causa, como tem argumentado o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em lamentável decisão cuja ementa segue transcrita, verbis:

 

JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. POLICIAL MILITAR. AUXÍLIO MORADIA DE FORMA MAJORADA. DEPENDENTES. CÔNJUGE TAMBÉM POLICIAL MILITAR. DIREITO AO RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS VENCIDAS. BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.

  1. Recurso próprio, regular e tempestivo.
  2. A remuneração dos policiais militares está disciplinada na Lei Federal nº 10.486/2002. Os artigos 1º e 2º da referida lei dispõem sobre a composição da remuneração dos militares do Distrito Federal, ou seja, da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, que se compõem de: soldo, adicionais e gratificações. Além dessa composição, a lei contempla outros direitos pecuniários, dentre eles o auxílio-moradia, que está definido no art. 3º, XIV.
  3. A referia lei estabelece dois valores distintos de auxílio-moradia: um simples, destinado a militares sem dependentes, e um majorado, a ser pago aos militares com dependentes. Não há previsão legal para pagamento de auxílio moradia cumulativo a duas pessoas distintas com base em um único fato gerador, o que, em última análise, implica bis in idem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
  4. Indevida a inclusão de cônjuge como seu dependente para majoração do auxílio moradia em razão dele também ser militar e já receber o referido benefício.
  5. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido autoral.
  6. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto no art. 46 da Lei 9099/1995.
  7. Sem custas e sem honorários (art. 55, Lei 9.099/95).[1]

 

Se o legislador não previu restrição à materialização do benefício do auxílio-moradia ora em análise, o julgador, que deve atuar em estrita consonância com seu dever constitucional, não poderá criá-la, sob pena de se atormentar os postulados constitucionais da legalidade e da separação dos poderes.

Fere-se o princípio da legalidade, porque o magistrado deve se ater aos ditames da lei; fere-se o da separação dos poderes, porque é papel do Poder Legislativo legiferar acerca da matéria de que aqui se cuida.

Infelizmente, como exposto anteriormente, esse não tem sido o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que enxerga o benefício objeto da presente abordagem como auxílio-moradia cumulativo, e alega que há a consequente caracterização da figura do bis in idem, fenômeno repelido pelo direito nacional.

Tal entendimento, então, nega vigência ao feixe normativo que rege os Militares do DF, pois torna sem efeito um direito que lhes é objetivamente assegurado por lei.

Assim, Militar casado(a) (ou companheiro) com outro(a) Militar faz jus ao auxílio-moradia majorado, com base em um complexo de leis cuja vigência não pode ser negada por nenhuma esfera de poder, muito menos pelo Poder Judiciário.

[1] Órgão: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especais do Distrito Federal. Recurso Inominado n.º 0737564-93.2016.8.07.0016. Recorrente: Distrito Federal. Recorrida: Karen Christine Oliveira da Silva. Relatora Juíza Mara Silda Nunes de Almeida. Acórdão n.º 1034310.

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